Refinando os processos de produção criativa — XIX

Marcelo Garcia
6 min readMar 3, 2023

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A síndrome do objeto brilhante

Criativos tendem a se interessar por várias áreas de atuação. Além da curiosidade inerente ao fazer criativo, as experiências em um campo específico podem alimentar um outro, e a fusão de dois ou mais interesses podem gerar resultados ricos e inusitados. É o que acontece, por exemplo, quando um ilustrador versado em fotografia junta os dois ramos artísticos em imagens únicas, ou um pianista que toca bateria aplica rudimentos percussivos nos arranjos de teclados.

Isso, portanto, só pode ser bom, certo?

E é, mesmo, mas há um lado obscuro nessa tendência octópode de abraçar muitos interesses que atende pelo nome de síndrome do objeto brilhante. Sua característica básica é fazer com que suas vítimas estejam sempre em busca de novos projetos, cursos, ferramentas, ideias, objetivos, estratégias, oportunidades e recursos para colocar em prática, assim como uma criancinha larga o que tiver na mão para ir atrás de qualquer coisa brilhante que lhe atraia a atenção.

Apesar do nome, não se trata propriamente de uma doença, mas de um sintoma que pode estar ligado a condições diversas, inclusive, mas não necessariamente, transtornos psiquiátricos. Independentemente de sua causa, o que nos interessa aqui são os efeitos da síndrome no processo criativo, e eles podem ser desastrosos:

1. Incapacidade de terminar projetos

Quando alguém se entusiasma com novos projetos o tempo todo, acaba abandonando aqueles que estão em fase de execução antes de completá-los ou ver qualquer resultado significativo.

2. Falta de planejamento de ideias e objetivos

Já que a novidade é o que importa, as vítimas da síndrome do objeto brilhante tendem a abraçá-las sem uma consideração mais aprofundada de seus efeitos ou seu impacto em suas vidas e seus horários.

3. Gasto desnecessário de recursos

Pular de galho em galho pode causar um considerável desperdício de tempo, energia e dinheiro.

4. Quebra de confiança

A inconstância na atuação faz com que o criativo seja considerado pouco confiável perante fornecedores e o público, alguém que não vai entregar um projeto, não vai cumprir o prazo ou não vai mantê-lo em atividade pelo tempo prometido.

Esses efeitos geralmente vêm em conjunto

Imaginemos um músico que junta um grupo para formar um repertório de heavy metal tendo em vista um festival no final do ano que pagaria um bom cachê às bandas selecionadas. Todos embarcam na ideia, alugam um horário semanal em um estúdio, passam a dedicar tempo para ensaiar e até compram algum equipamento para melhor adequar o som ao estilo. Depois de algum tempo, o entusiasmo do nosso protagonista com a empreitada diminui. O trabalho necessário para deixar a banda à altura do evento (tocar as mesmas músicas durante meses a fim de acertar cada detalhe) é duro e maçante. É aí que ele fica sabendo que há um outro festival, mas voltado à música dançante, que paga um cachê melhor aos selecionados. Ele tenta convencer seus colegas a mudar de estratégia para aproveitar essa nova oportunidade (Um cachê maior! Músicas mais fáceis! O público DANÇA no show!) e, como não obtém sucesso, abandona o grupo e passa a procurar outras pessoas para formar uma banda funk, para provavelmente repetir o mesmo ciclo.

Nessa história, o músico adotou um objetivo novo, não considerou o trabalho que teria para efetivá-lo, gastou tempo, energia e dinheiro, e finalmente o abandonou antes de completá-lo, deixando entre seus colegas a impressão de não ser confiável.

Merece destaque nesta sequência de leva ao fracasso o momento em que o objeto brilhante tem mais chances de exercer seu fascínio, que é o período em que a excitação com a novidade perde a intensidade inicial.

Todo proceso criativo tem essa fase. É aí que o criativo tem que perseverar APESAR da falta de motivação, ou melhor, apesar da falta de emoções positivas e intensas ligadas ao projeto.

Como, então, passar por este vale de lágrimas e chegar ao fim de um projeto?

1. Planejamento mais realista

Já falei sobre isso em minha postagem sobre o essencialismo, mas não custa relembrar: É preciso pensar em tudo com antecedência e demorada consideração. Passar o tempo necessário avaliando se é o momento certo para incorporar o novo projeto em sua vida, o impacto que irá causar em seu tempo, sua energia e seu bolso, os recursos que irá exigir e os resultados que trará.

A palavra “realista”, aqui, está sendo usada com alguma elasticidade. Por mais que tentemos manter os pés no chão, é comum que o planejamento não seja tão eficiente quanto nos pareceu inicialmente. Afinal, fazer arte não é como apertar parafusos — não dá para prever cada minuto de atividade. Mas pensar bastante antes de pular em um novo projeto já evita que firmemos compromissos baseados apenas no entusiasmo.

2. Autoconhecimento

Quem já tem algum histórico de projetos inacabados tem grandes chances de ser portador da síndrome do objeto brilhante. Sonha em compor uma ópera-rock, mas nunca terminou uma canção de 3 minutos? Quer escrever um romance épico, mas só tem contos mal começados em uma pasta no computador? Quer fazer uma série fotográfica com atores famosos, mas é tímido e evita se expor?

É importante reconhecer em si os processos internos que empolgam, aquilo que aborrece, suas capacidades e limitações e a quantidade de tempo em que é possível se manter em uma mesma atividade.

Ainda, é muito comum que a síndrome seja reconhecida em pessoas que tenham alguma particularidade psicológica ou psiquiátrica, como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), caso em que há mais coisas a serem analisadas e tratadas.

3. A palavra mágica

Dizer “não” é fundamental.

Tem muita coisa interessante para aprender e fazer, e hoje as informações e ferramentas estão disponíveis online com custo muito baixo ou de graça. Mas é preciso reconhecer (é difícil, eu sei) que não há tempo disponível em uma vida para alguém fazer tudo que gostaria.

Faça o que digo, não faça o que eu faço

Conheço a síndrome do objeto brilhante de longa data. Tenho um baú de ideias anotadas e projetos inacabados em diversas áreas. De uns tempos pra cá, porém, tenho me concentrado em terminar o que começo e não começar coisas novas antes de terminar o que está em andamento.

Mas não é fácil.

Para algumas pessoas, é óbvio que fazer coisas demais dificulta manter o foco, que nem toda novidade empolgante merece se tornar um projeto criativo. Mas não é assim pra todo mundo. Embora eu ainda não tenha um diagnóstico oficial, é bem provável que eu tenha TDAH, já que tenho todas as características do transtorno. É por isso que sei por experiência própria que algumas pessoas embarcam em múltiplas atividades porque sinceramente acreditam ser possível terminar todas elas, e da melhor forma possível, mesmo que todas as evidências mostrem o contrário.

Quando resolvi fazer uma animação para o lançamento de Eu não moro mais aqui, sabia que seria uma empreitada trabalhosa, mas, como sempre, superestimei minha capacidade de realizá-la em tão pouco tempo. No estágio em que está, consegui aprender o suficiente para fazer uma animação decente, mas acho difícil que consiga terminá-la antes de 24 de março, ou seja, falhei ao fazer um planejamento realista.

Mas tá ficando legal:

  • >>>>> Esta série de postagens surgiu para ordenar meus projetos. Eu tinha muita coisa em desenvolvimento e achei que concentrar o foco em apenas alguns deles ajudaria a finalizá-los, reduzindo pouco a pouco a fila. É também uma forma de organizar meus pensamentos sobre as coisas que vou aprendendo no meio do caminho. Pra não ficar só escrevendo minha lista de tarefas, procuro acrescentar algumas reflexões que podem ser úteis a outras pessoas, mas isso não quer dizer que sejam ensinamentos de quem sabe das coisas. O que escrevo aqui está mais para “veja o que descobri dando cabeçadas e aprenda com meus erros”.

Projetos atuais:

* Trufaldinos — Projeto de música instrumental para minhas composições — Objetivo: Terminar a música Eu não moro mais aqui e lançá-la como single em plataformas digitais. Data final: 24 de março de 2023.

* Trufaldinos — Projeto de música instrumental para minhas composições — Objetivo: Fazer uma animação em vídeo e lançá-lo no You Tube com o single Eu não moro mais aqui. Data final: 24 de março de 2023.

Projetos terminados:

* Lançamento e divulgação do fotolivro Sombra Única no Festival de Fotografia de Paranapiacaba.

* Gravação de um vídeo ao vivo com duas músicas da banda Kosmovoid.

* Terminar a primeira versão da novela de realismo mágico Zona de Fronteira.

* Aumentar o número de seguidores dos perfis do Aparelho Produtor de Imagens no Facebook e no Instagram.

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